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“É preciso ensinar literatura?”, nos pergunta o professor de literatura francesa e estudioso Vincent Jouve, que acrescenta: “A pergunta pode parecer brutal. Mesmo assim, merece ser feita. Diante de currículos sobrecarregados, é legítimo reservar tempo ao estudo de textos de natureza incerta e cuja função não está clara?” (2012, p.133).

Tais questionamentos são necessários para que se justifique o ensino de literatura, especialmente, se a considerarmos como uma prática humana, na qual houve um empreendimento cognitivo, e como um objeto que representa um interesse, onde se pode identificar um projeto avaliatório.
Dessa maneira, o que interessa no ensino de literatura são os aspectos presentes nela e que merecem ser consideradas no currículo escolar: os saberes que podemos extrair delas, o modo como o plano da linguagem aí se manifesta e, especialmente, as reflexões sobre o humano que ela pode suscitar. Além disso, devemos considerar que:

No quadro do ensino, temos todo o direito de dispensar o critério de satisfação, fazendo valer que as obras literárias não existem unicamente como realidades estéticas. Elas são também objetos de linguagem que – pelo fato de exprimirem uma cultura, um pensamento e uma relação com o mundo – merecem que nos interessemos por elas. Se a dimensão estética tiver sido levada em conta, não terá sido por si mesma, mas por aquilo que ela significa e representa.

(JOUVE, 2012, p. 135).

Em outras palavras, a experiência do belo não necessita da mediação do ensino para se realizar, por mais que a orientação para determinado gosto tenha seu valor. Dentro da sala de aula, a literatura está relacionada a um quadro institucional que deve promover um resultado útil de alguma maneira e que deve ultrapassar o âmbito estético, considerando a cultura, o pensamento, a relação com o mundo e a linguagem que o texto literário manifesta.

É necessário que se tenha cautela com o saber que se direciona para a Literatura, devendo ser adquirido e desenvolvido na sua relação com saberes de outras áreas. É perceptível a dificuldade que professores e alunos possuem de integrar as informações, de pensar as obras literárias dentro de um contexto maior sem reduzi-las a períodos e/ou movimentos estéticos e históricos. Tal fato se torna mais eminente na sociedade atual, cuja educação é negligenciada.

“É o problema universal de todo cidadão do novo milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá-las? Como perceber e conceber o contexto, o global (a relação todo/partes), o multidimensional, o complexo?”

(MORIN, 2011, p. 33).

Somos cientes de que, na era da informação e da tecnologia, “o mundo é uma festa de permanente desatenção, a multitarefa é rotina, a vida é on-line e o pensamento é forjado por surtos contínuos e acelerados” (LUZ, 2014, p. 108). O acesso ao conhecimento é cada vez mais negligenciado e a capacidade de articulá-lo e organizá-lo é debilitada pela reprodução dos erros somada à força coercitiva e implacável das normas socioculturais que se voltam contra nós ao nascermos. Consequentemente, deixamo-nos ser dominados pelas ideias e pelas crenças fundadas por um paradigma socialmente pré-estabelecido, visto que “os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles” (MORIN, 2011, p. 24).

As ideias ganham, então, corporeidade e vitalidade referente ao poder imperativo que exercem sobre o homem, domesticando-o ao moldar suas percepções e orientar seu comportamento. No entanto, Morin ressalta a relação simbiótica que deve existir entre as duas instâncias, quando afirma que: “As ideias existem pelo homem e para ele, mas o homem existe também pelas ideias e para elas” (2011, p. 28).

No caso da Literatura, infelizmente, ela é apenas situada na educação como mero instrumento para fins didáticos. No processo de ensino-aprendizagem, é esquecida a natureza do texto literário, que nunca é doutrinária, autoritária, pois tende a romper, justamente, com o poder imperativo das ideias, subvertendo-as ou fazendo-as refletir sobre elas. Segundo Candido, a Literatura se tornou instrumento de instrução e educação em nossa sociedade, sendo tomada como uma proposta intelectual nas instituições de ensino, sendo que o texto literário “confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas” (2004, p. 175).

Aí está a contradição do ensino de Literatura que se restringe a moldá-la a encerrá-la a formas rígidas e a recortes temporais, sendo que ela possui uma natureza complexa, transcultural, atemporal, que suscita questões de ordem subjetiva e social, entre outros aspectos.

Pensar estratégias para a revitalização do ensino de literatura é tarefa diária para os profissionais da educação, sem dúvida. Tal fato só reforça a importância que esse ensino tem para a formação de leitores competentes, para a reafirmação das potencialidades culturais de uma sociedade, para a expansão do mundo vivido a enriquecer a experiência pessoal, para colaboração no desenvolvimento a capacidade cognitiva, entre outros aspectos. Evitando cair numa espécie de romantização da literatura, é fato de que esta, em sala de aula, deve ser tomada como uma ferramenta pedagógica concentrada na formação e no aprimoramento do leitor, sem que se negligencie o seu caráter artístico, estético. Pensemos! Pensemos nessas questões tão relevantes para a reconfiguração necessária do ensino da literatura e para a preservação da sua força humanizadora (na qual ainda acredito).

Bibliografia citada

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas Cidades/Ouro sobre Azul, 2004, p. 169-191.

JOUVE, Vicent. Porque estudar literatura?. Trad. Marcos Bagno e Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2012.

LUZ, Eduardo. A nuvem pressentida: a “literatura do futuro” na crônica de Moreira Campos. In. Revista Entrelaces, Fortaleza, ano IV, n. 5, p. 105-114, mai de 2015.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarian Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2011.



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