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Pensar a busca de sentido para a poesia é uma missão delicada. Será mesmo impossível – ou possível – qualquer explicação para o que parece inexplicável? Para o que simplesmente é ou não é? Como bem ressalta nosso poeta Quintana:

“Impossível qualquer explicação: ou a gente aceita à primeira vista, ou não aceitará nunca: a poesia é o mistério evidente.

“Ela é óbvia, mas não é chata como um axioma. E, embora evidente, traz sempre um imprevisível, uma surpresa, um descobrimento” (2014, p. 91), ou seja, o que há de mais evidente na literatura é o mistério que nela habita, o ar enigmático que parece correr na seiva bruta que a constitui.

Ainda assim, nos é sensível, como consequência, que o inesperado, o imprevisível, o descobrir nos incita a buscar algo que nos remeta a uma significação verdadeira e única da obra literária que resulte na sua compreensão.

No entanto, é isso que a literatura ou a poesia quer? É isso que nós, como leitores e “estudiosos” da literatura queremos?

Pensemos sobre: a linguagem artístico-literária está sempre fora de um lugar, especialmente, do lugar-comum, portanto, no ato da escrita ela é lapidada como se estivesse esvaziada de qualquer significação exclusiva, fixa.

Afirmou Antonio Candido que “nas mãos do poeta o lugar comum se torna revelação, graças à palavra na qual se encarnou” (CANDIDO, 1995, p. 140). Dessa forma, o todo da obra literária se sustenta numa palavra que se quer fundante, origem, por isso, a literatura – a poesia, principalmente – nos inquieta por desestabilizar uma realidade, ou um ser, que achamos conhecer e essa ilusão se refrata a partir do momento que adentramos numa outra realidade instaurada/criada pela arte literária, ou seja, a partir do momento que experienciamos a poesia.

Assim, entramos em contato com a tonalidade da linguagem poética não para distinguir sua coloração, mas para se fundir a ela, assim como também o faz o poeta ao escrever, pois somente nessa confluência o homem é revelado a si mesmo, o homem se faz e é feito por meio da linguagem poética, criando-se a cada instante.

Ressaltamos aqui o fato de que a poesia não está de toda desvinculada da realidade que lhe é externa, pois aquela se vale de elementos desta para se concretizar (poema/obra literária) e tem como seu artífice, como “criatura da linguagem”, o poeta que é, ao mesmo tempo, um ser no/do mundo.

Afirmamos, então, que o sentido, o valor, o estatuto que conferimos à poesia se dá ou tem nosso consentimento a partir do momento que passamos a vivenciá-la. Dessa maneira, poderíamos questionar se toda teorização que se faz sobre a poesia a reduz a uma espécie de objeto “culturalizado” alvo de um interesse metódico e analítico. Tal fato seria o seu mal ou seu maior inimigo, especialmente, se considerarmos que quando alguém (crítico, escritor, editor, professor) “faz a exposição da sua teoria, para suprir de significados uma poética que não consegue falar por ela mesma, acontece aí um evidente desajuste” (NASSAR, 2001, p. 32), visto que teorizar a poesia pressupõe, como objetivo, alcançar o seu entendimento. Problematizá-la não é passível de proibição, mas, como bem salientou o escritor Raduan Nassar, fazê-lo para encharcar a poesia de preceitos e interpretações, a fim de encerrá-la em leituras, por vezes, demasiadas técnicas, mecânicas, mutila o poema pela redução que lhe é imposta.

Estas considerações são corroboradas pela seguinte afirmação perplexa de Quintana:

Encomendaram-me os editores uma “suma” de minha poesia, o que me enche de perplexidade. (…)

Saberá mesmo um poeta em que consiste essa espécie de força oculta que o faz poetar? Ele não tem culpa de ser poeta; portanto, não tem do que se desculpar ou explicar. (QUINTANA, 2014, p. 17).

E essa força oculta que rege a escrita se estende à poesia, caracterizando a sua natureza esfíngica, nebulosa, sem a preocupação de responder a alguma pergunta, exercer alguma função, surtir algum efeito, defender alguma teoria, corresponder a alguma expectativa, haja vista que, como diz Quintana, com a poesia “Não sei se ficamos melhores ou piores: ficamos mais profundos” (2014, p. 28).

Não queremos aqui afirmar que a poesia é cura ou veneno; que melhora ou piora o homem.

Ela não está preocupada em humanizar o indivíduo. A poesia não é alheia ao indivíduo. Ao tocá-lo, ela o transforma de alguma maneira.

É a experiência, a percepção elevada pela palavra, e não a linha de chegada, o sentido último, a explicação do mistério:

Eu sonho com um poema

Cujas palavras sumarentas escorram

Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,

Um poema que te mate de amor

Antes mesmo que tu lhe saibas o misterioso sentido:

Basta provares o seu gosto… (QUINTANA,1976, p. 100-101).

A poesia não se explica. Ela se basta em si.

“Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema” (QUINTANA, 2005, p. 151), onde cada palavra parece carregar consigo um universo de significados, simbólico. E o poeta é um instrumento daquilo que desconhece.

Assim, vemos que sempre estaremos nessa constante busca de sentido para a poesia, no caso. Isso é o que nos move. A poesia tem preguiça de se explicar. Ela não se quer explicar. Será que nós, também, queremos essa explicação? Por que não deixar a poesia ser apenas o que ela é? Podemos até tentar explicá-la, mas quaisquer explicações só a tornará mais inexplicável; quaisquer definições só a deixarão mais indefinível.

Possivelmente, tais questões nos façam pensar sobre o fato de não alimentarmos o hábito de ler livros de poemas, sobretudo porque é comum se pensar que o entendimento aí é mais difícil, mais hermético.

Todavia, o que se precisa ter em mente é que a leitura de um poema é diferente da leitura de um texto em prosa, e que isso não impede que tomemos a iniciativa para nos aventurarmos pela apreciação lúdica e poética, pelo exercício com a imaginação e com o desenvolvimento da sensibilidade.

Desta maneira, através da poesia poderemos aprimorar nossa competência leitora, nosso senso estético, além de diversificar nosso rol de leituras.

OBRAS CITADAS

CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo, Duas Cidades, 1995.

A conversa. [Entrevista concedida a Antonio Fernando De Franceschi]. In: Cadernos de literatura brasileira: Raduan Nassar. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1996. p. 23-39.

QUINTANA, Mário. Caderno H. Porto Alegre: Globo, 1973.

_________________. Apontamentos de história sobrenatural. Porto Alegre: Globo, 1976.

_________________. O Aprendiz de Feiticeiro. São Paulo: Globo, 2005

_________________. Porta Giratória. Org. Italo Moriconi. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

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